Dezembro de 2009 não foi bom para mim. Eu recebi a notícia de que não tinha passado na primeira fase da prova para uma bolsa que bancaria o programa de mestrado para o qual eu tinha sido aprovado. Nove meses depois eu estava embarcando para começar o curso.
Este texto é para compartilhar a experiência de viabilizar esse projeto profissional de forma autônoma e portanto sem depender de bolsas de estudo.
O meu problema
Hoje tem muita gente indo estudar fora do país, mas isso se aplica principalmente a quem está dentro das universidades; quem tem uma carreira academica. Não era o meu caso.
Eu fiz história na graduação, me apaixonei pela internet, trabalhei em uma porção de lugares, mas dez anos depois estava me vendo na situação de ter que me tornar um gerente para sobreviver. A escolha era entre o dinheiro e a vontade de manter o espírito curioso sobre o meu assunto de interesse.
Mas na época, com 38 anos, eu não tinha idade nem a vivência acadêmica para concorrer por uma bolsa internacional.
Recebendo a negativa da bolsa, no desespero, quase acabei também com o meu casamento ao declarar à minha mulher que pretendia vender tudo, comprar uma bicicleta e me mudar para o interior de São Paulo para fazer um outro curso de mestrado que tinha me interessado.
Caminhos alternativos de financiamento
Felizmente a vida abriu a oportunidade para eu participar de um programa de coatching com os excelentes José Ernesto Bologna e Marcelo Maghidman.
O ponto de virada na minha história aconteceu quando o Marcelo me perguntou por que, se eu estava disposto a deixar de trabalhar para estudar, eu não considerava a possibilidade inversa de trabalhar para estudar.
A recomendação dele era que eu buscasse formas de pagar os estudos e me manter na Inglaterra durante o curso - um programa de mestrado em antropologia digital na University College London.
Uma solução seria usar o fato de estar em Londres para trabalhar para alguma empresa brasileira. A outra, que me interessou mais, foi que eu "vendesse" o projeto de pesquisa para ser financiado.
A batalha pelo sonho
Mesmo considerando remotas as chances disso dar certo, me entreguei à segunda proposta.
Eu já tinha sido aprovado pela universidade, então, elaborei uma proposta para mostrar a eventuais interessados que passei a visitar para vender meu peixe.
A proposta tinha três páginas: uma apresentação sobre mim, uma sobre a universidade e o curso e a última com preços, entregáveis e condições de pagamento.
E investi dinheiro para dar uma boa impressão. Contratei um designer para fazer a arte e montei uma pasta personalizada para colocar o material.
Fui gerindo o tempo no emprego para conseguir ter intervalos para me comunicar e me encontrar com interessados.
Um ótimo negócio
Consegui encontrar um departamento dentro de uma empresa que se interessou em me contratar como pesquisador.
Ao contrário do que se possa pensar, propostas como a minha podem sim ser um ótimo negócio. Não apenas a empresa tem acesso à experiência do contratado como ganha com o fato de ele usar a estrutura da universidade e da cidade e o acesso aos professores e colegas.
O pacote inteiro saía em torno de 150 mil reais (o valor de um profissional autonomo recebendo 12 mil por mês) e deu para pagar o curso e vivermos, eu e a esposa, muito modestamente durante doze meses em Londres.
Duas dicas importantes
A chave para conseguir o sim foi permitir que o problema da pesquisa fosse definido pelo meu contratante, que no caso foi uma empresa de cosméticos.
Veja que há uma negociação importante porque eu estava disposto a abrir mão da escolha do tema de estudo, mas eles também tinham que entender que nem tudo cabia dentro de um projeto de pesquisa em antropologia.
A nossa confiança - entre mim e o responsável na empresa pelo projeto - cresceu ao longo do trabalho. Eu nunca pensei em estudar cosméticos, mas honrei o compromisso e cumpri rigorosamente o acordado. A pesquisa foi sobre o assunto que interessava ao departamento que me contratou.
Ao mesmo tempo, eles entenderam que um projeto de pesquisa se transforma ao longo do trabalho. Então, por exemplo, definimos qual seria o problema que eu teria que ajudá-los a entender, mas comecei o programa de mestrado sem saber qual seria o objeto da pesquisa.
Limites da colaboração: o que é exclusivo
Também foi importante para fecharmos o contrato definirmos os limites da colaboração. Uma pesquisa científica é avaliada e pode ser distribuída. Mas ela não é feita para ser entendida fora do mundo acadêmico.
O que eu entreguei exclusivamente a eles foi a resposta, em português claro e direto, para o que eles queriam saber. Isso foi entregue a partir de um grande relatório seguido de vários encontros com diversos grupos da empresa.
Essa experiência aconteceu durante o ano letivo de 2010 e 2011, mas nunca li nada sobre caminhos alternativos para quem quer fazer um upgrade profissional mas nao tem acesso a bolsas de estudo. Daí a motivação para registrar e compartilhar a minha vivência aqui.
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